domingo, 14 de abril de 2013

Após Um Dia de Trabalho


Ao entrar em casa, após 12 horas de trabalho, senti aquele frio percorrer em minha espinha. Estava escuro demais, silêncio demais. Verifiquei no tato se as chaves da minha mãe estavam na fechadura, como ela deixava de costume, e lá estava o molhe de chaves, mas mesmo assim uma sensação ruim e inexplicável insistia em me acompanhar.
A adrenalina era tão grande que os meus extintos me forçaram a não acionar o interruptor. Minha respiração cada vez mais ofegante, a cada segundo o nervosismo aumentava, eu mesma escutava o bater do meu coração em meu peito, então eu me perguntei: Onde está o ronco da minha mãe e aquele cachorrinho insuportável que ela chama de “filho da mamãe”?
Com esses pensamentos tomei coragem acionei o interruptor da sala, no chão as fezes e a urina do animal, um cheiro insuportável, dei mais uns dez passos, passei pelo meu quarto e enfim escutei algo, um choramingo vindo de lá, entrei, acendi a luz e presenciei uma cena horrenda. Além de mais fezes e urina, as tripas do animal estavam espalhadas em cima da minha cama, a minha colcha nova agora tinha detalhes em vermelho ao invés de cinza escuro, os olhos do bichano me pediam socorro. Eu comecei a chorar, tentando achar alguma alternativa para socorrê-lo, mas o “Desmiolado”, era como eu o chamava, agora, não fazia mais nada além de sujar a minha cama com os seus pedaços espalhados.
Morreu o pobre bicho.
Corri para o quarto da minha mãe, queria saber dela, se ela estava bem e precisava de resposta para aquela cena, mas nada, ela não estava lá, o medo novamente tomou conta de mim. Corri para o meu quarto com a única alternativa de ligar para a polícia. Quando chequei lá, a minha mãe estava olhando para o “Desmiolado”, chorando compulsivamente, e com o meu celular na mão. Aquela cena teria me comovido se o meu celular não estivesse nas mãos dela, fiquei uns segundos parada na porta do quarto e ela me preguntou.
– Era isso que tu querias? – virando-se me mostrou o celular.
Sem perceber que mamãe sabia do meu desejo de chamar a polícia, falei:
– Sim, sim. Eu ia ligar para a polícia, mas mãe, o que aconteceu? A senhora está bem?
– Não. – Foi apenas isso que ela falou com a voz baixa e abafada pelo choro.
– Mãe, queres que eu chame a policia?
– Eu já disse que não! – Gritou. Parecendo não entender a minha segunda pergunta.
Um medo inexplicável continuava a me acompanhar . Não sabia o que fazer, mas alguns minutos se passaram e minha mãe chorando e chorando.
O choro cessou e aos poucos ela se virou em minha direção. Não conseguia enxergar o rosto dela, os cabelos tapavam o seu rosto magro, a sua cabeça permanecia baixa e a ausência dos meus óculos comprometia a minha visão. Mamãe foi se aproximando e eu com medo, mas me mantive imóvel, aos poucos sua fisionomia foi ficando mais clara para os meus olhos inúteis, seus cabelos estavam com um tom avermelhado e eu logo pensei: “Não acredito que ela pintou os cabelos de vermelho de novo. Fica ridículo”. Uma risada foi tomando conta do corpo dela e ela sacudiu a cabeça em negativa, escutei um barulho semelhante a água caindo de um copo, fiquei alerta, com esforço me foquei no que tinha caído no chão, parecia sangue. Sangue??? Ousei indagá-la.
– Mãe alguém esteve aqui e te machucou? – Preguntei.
– Não, querida. – Isso me fez tremer. A sua voz agora era doce e delicada.
– Mas o que aconteceu então? – Eu precisava saber, para ajudar.
– O meu filhinho não parava de latir querendo subir na tua cama, então eu o coloquei ali. Tá vendo?!
A voz era de uma pessoa insana e eu a reconheço bem em minha mãe, porque ela tem surtos mentais, ao ponto de eu ter que interná-la em hospitais psiquiátricos. Respirei fundo para me acalmar e controlar a situação.
– Mãe? – Falei bem devagar. – A senhora consegue conversar comigo, estás bem?
– Hahahahaha.... Conversar! Tá sempre querendo conversar para depois me jogar naquele lugar imundo.
– Como assim? Não estou entendendo?
– Ah não sabe né?! Primeiro vamos conversar, depois me interna no hospital psiquiátrico. Eu não vou para lá, estou te avisando.
– Eu não vou levá-la para lugar algum. Só quero saber o que aconteceu com o teu cachorrinho e se a senhora está bem?
Não sabia mais o que fazer, o que perguntar e estava com muito medo das reações futuras de minha mãe. Mais alguns minutos se passaram em silêncio, depois mais alguns passos dela, me mantive no mesmo lugar para não provocar algo nela. E ela começou a chorar novamente e disse em voz alta, gritando:
– Eu só queria dormir. Tomei meus remédios e fui para a cama, mas ele não parava de chorar, queria por que queria ir para tua cama. Então o coloquei lá e fui me deitar e advinha?
Quando ela disse isso eu vi o seu rosto, estava tomado de sangue, em seus dentes pedaços de carne, queria gritar, mas não podia, ia assustá-la e sabe Deus o que poderia acontecer. Mas mamãe observou a minha reação e identificou o pavor nos meus olhos arregalados, ela estava a um passo de mim, eu não tinha como fugir e tentei falar:
– Calma....
– Cala a boca quando eu estou falando... E ele não parava de chorar, mesmo em cima da sua cama como queria, então eu vim aqui e o mordi bem na barriga onde ele gosta de receber carinho, mas dessa vez ele não gostou... – Virou-se para os restos do animal e continuou. – Então eu mordi mais uma vez e mais uma, então eu senti o sangue dele no meu queixo e na minha boca, foi quando percebi que tinha feito bobagem e a sua cama estava manchada de sangue e tu ias brigar comigo, então eu me escondi em baixo dela para que tu não me visses e ela ficou chorando e tu chegaste e demorasses a chegar e como estava o trabalho? Muito cansativo, filhinha da mamãe?
Definitivamente ela tinha surtado, mas era a primeira vez que eu não a reconhecia, não havia nada ali que lembrasse minha mãe. As coisas que ela me dizia não seguiam uma ordem, as frases iam se atropelando, os assuntos se misturando, eu tinha que fazer algo.
– Filha... Me dá um abraço? – Tornou a chorar.
– Claro, mãezinha. – Prefeito, agora era só acalmá-la. E nos abraçamos.
– Me perdoa?
– Não fica assim, vai ficar tudo bem.
– Mesmo? Tenho medo de ficar louca.
– Não diz isso. Vai ficar tudo bem, eu prometo. – Tentando desviar do assunto preguntei.
– Que tal a senhora tomar um banho para limpar o rosto e se desfazer das marcas do choro, heim?!
Ela não respondeu. Ainda estávamos abraçadas, o choro cessou, o abraço foi ficando apertado demais.
– Mãe... Está tudo bem. Vamos lá?!
Mais forte ficou o abraço e começou a me machucar. Tentei de desvencilhar do abraço, mas não consegui e mais forte ela me apertou, soltei um gemido de dor. Droga! E agora, o que é isso? Um rosnado veio dela e o meu pescoço foi atacado. Gritei de dor!
Ela me mordeu!
Continuei gritando e agora em busca de socorro.
A boca de minha mãe travada no meu pescoço como se ela fosse um animal sedento por sangue.
Felizmente Sr. Batista, sua esposa e filho, que moravam ao lado da minha casa, foram ver o que estava acontecendo, pois, tinham o conhecimento dos surtos da minha mãe e eram eles que me ajudavam quando algo acontecia com a saúde mental da minha pobre mãezinha.
O Sr. Batista e Rafael (seu filho) tiraram-na de cima de mim, um pedaço do meu pescoço foi junto com ela, Sra. Carmelina me ajudou a levantar e me pôs no sofá, estanquei o sangue com o casaco que estava vestindo e liguei para o hospital psiquiátrico. Enquanto eu ligava, os dois homens agarravam minha mãe com força e então subitamente, mamãe paralisou.
Não tardou para a ambulância chegar. Quando os enfermeiros entraram e viram que o que eu tinha informado era verdade, eles pegaram-na com bastante prudência e força, no mesmo instante que as mãos dos enfermeiros a tocaram, ela começou a se debater e tentar mordê-los, mas felizmente as tentativas foram em vão.
Tentando me recompor do desgaste físico e mental, lembrei que havia no banheiro um kit de primeiros socorros. Rafael estava comigo e me acompanhou até o banheiro. Chegando lá, mais uma coisa estranha daquela noite, eis que a banheira estava ligada, os sais de banho de mamãe fatiados e cheiro de algo queimado e restos cigarros caseiros no cinzeiro.